segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Das fábulas atualizadas


Reportando à sátira de Jonathan Swift “modesta proposta” escrita em 1729 e relembrada por Cristovam Buarque em 2007, que tratava do abandono das crianças numa época sombria em seu pais, a Irlanda. O escritor “propunha” tirar o fardo que significava a criação dessas crianças sobre a vida dos pais e do país, vendendo-as para as famílias ricas “degustarem” nos banquetes como fina iguaria...
Esta crônica de horror escandaliza, à primeira vista, nosso humanismo contrário ao canibalismo! Mas, ao mesmo tempo, nossa condição de ser humano aceita a antropofágica criação de crianças para servir, nas mais degradantes condições, aos prazeres da “mesa”, por assim dizer, o que não é muito diferente da sátira proposta pelo autor. Senão vejamos: as cenas de rua em todo mundo, mais doído no micro cosmo que é nossa cidade, de pessoas esmolando na avenida, nas portas dos bancos e lojas, com suas presas nos braços, visivelmente desnutridas, desvestidas, sujas de atrair moscas, com seus olhinhos implorando uma solução menos sofrida para suas mazelas, e, que não horrorizam às pessoas que passam, fingem o que vêm, jogam uma moeda, e vão embora...pois bem, na visão extrema de Swift, essas pessoas, NÓS, estamos comprando essas crianças, nossas consciências, e deglutindo em nossa mesa a miserabilidade vista naquele momento. O que dói é a naturalidade com que aceitamos esse canibalismo, lento, gradual, horrendo, assistido comodamente de nossos lares bem nutridos, com nossos filhos à mesa, degustando em vez de suas carnes tenras, as vidas daquelas, vendidas à exploração de todo tipo, da sexual à perversão de trabalhos danosos, que imolam pouco a pouco essas vidas, conservadas vivas para tais fins. Ao lado dessas, as crianças abandonadas em nossas ruas, igualmente consumíveis por essa sociedade cega, que passa ao largo das ruelas, onde crianças brincam suas vidas, expostas ao lume das mentes canibais, que as consomem de todas as formas com que se as possa consumir.
Voltando à “proposta” de swift, nosso neocanibalismo talvez esteja fazendo sofrer mais as mães que não vêm solução para seus filhos, e, principalmente, as crianças, que não sabem o quanto são deglutidas morosamente pela sociedade constituída, que não planejou essa leva de filhos de ninguém, abandonados à própria sorte, quando ainda não podem se defender sozinhos, da ferocidade de ser humano.
Olhando friamente, algo está distorcido quando o macho alfa não se preocupa com a manutenção da espécie, instinto básico para sobrevivência do próprio. Coisa aprendida nos primórdios da vida na terra, anterior à conscientização de nossos atos, enquanto humanos.
Se, desses atos resultou tal abandono de princípios, melhor seria voltar ao troglodítico tempo de eliminar o mais fraco, simplesmente.

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